Acho que todo mundo já imaginou, em algum momento, como é ser cego. Pode ter sido por conta das brincadeiras infantis de cabra-cega, de algum filme sobre o tema –como Ensaio Sobre a Cegueira, baseado no excelente livro de José Saramago–, ou por conhecer alguém que tenha essa condição.
Quando praticamos a alteridade, nos colocando no lugar do outro que é diferente, damos o primeiro passo para o exercício do respeito e civilidade. Afinal, quem quer ter sua individualidade respeitada, precisa, antes, respeitar a individualidade do outro.
Mas alteridade também é, segundo a antropologia, o meio pelo qual é possível enxergar nas outras culturas as suas especificidades, evitando o prejulgamento. Isso é importante para evitar o etnocentrismo, a exploração de outros povos. E em última instância, para ajudar a garantir a coesão social.
Coloco essas questões aqui por causa do óbvio esgarçamento social que estamos testemunhando no Brasil, nos EUA, e em outros países, fruto de governos que flertam, em maior ou menor grau, com ideologias fascistas. E também em função do desmonte de políticas públicas de educação inclusiva por parte do governo federal brasileiro, em 2020.
Mais do que nunca, precisamos cultivar a alteridade, assim como a empatia, para sensibilizar a sociedade, pressionar os políticos, e garantir dos direitos constitucionais das pessoas com deficiência.
Convido a todos, então, a ler o texto “Ser cego é ter orgulho de minha forma de sentir o mundo”, de Filipe Oliveira, publicado no blog Haja Vista, na Folha de São Paulo, em 13 de dezembro. O relato pessoal do jornalista com baixa visão, em tom poético e agridoce, revela nas entrelinhas muito sobre como encaramos a deficiência alheia. Além de ser um texto muito bem escrito.
Abaixo, você confere alguns trechos.
Ser cego é andar no escuro em um mundo que não foi preparado para você se locomover com segurança. Na verdade, é viver em um mundo que foi construído sem levar você em consideração. E, mesmo assim, se sentir culpado quando tropeça, se perde ou esbarra em alguém.
É andar pela rua e muitos terem piedade de você, distribuírem santinhos, orações e palavras de encorajamento. É ser abordado por um homem que se diz ex-presidiário e que ao mesmo tempo em que pede dinheiro, se pergunta se é pecado tomar esmola de alguém com deficiência.
Ser cego é criar rostos imaginados na mente, não saber muito bem quem tem barba, bigode ou cavanhaque, quem é branco ou negro, japonês ou loiro, careca ou cabeludo. É gostar de alguém e pedir que um amigo ou amiga descreva seu rosto.
P.S. Quem não tem acesso ao conteúdo pago da Folha de SP pode ler o texto no link do Web Archive. Link: Ser cego é ter orgulho de minha forma de sentir o mundo, de Filipe Oliveira.
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